domingo, 28 de outubro de 2012

O presente da dor.

O século XXI é um século agitado. O homem da contemporaneidade tem muitos afazeres, novas preocupações e, ao meu ver, ele crê que muitas coisas já deveriam ter sido expelidas do nosso cotidiano. E a dor, para muitos, é um destes males não necessários. Afinal de contas, porque nós deveríamos sofrer? Em que, voce poderia me perguntar, faz-se valer a dor?
Ao meu ver, vivemos a era das pílulas. Sentiu uma dorzinha? Tome uma aspirina. Sentiu um leve desconforto emocional? Corra para uma farmácia e compre um calmante. Faça qualquer coisa, mas não deixe que esta dor se perpetue, dizemos. Mas será este o melhor caminho? A dor em sua própria natureza não traz nada de bom? Absolutamente, creio não ser esta a verdade.

Reflita, como seria um mundo sem dor? Primeiramente poderíamos comer todo tipo de guloseimas, encher nosso estomago de alimentos vencidos, e simplesmente o eliminaríamos depois e pronto. Mais tarde poderíamos realizar este ato estúpido de novo, pois nada sentimos. Mas, quando sentimos aquela dor de barriga, o desconforto nauseante, nem queremos saber daquilo de novo. Fomos avisados de que aquela atitude não é boa, e se continuarmos, estamos destruindo o nosso corpo.

Doutor Paul Brand( in memoriam) junto com Philip Yancey, escreveu um livro entitulado "A dádiva da dor". Neste belíssimo livro, o médico Paul passou anos num país africano em que várias pessoas sofriam de Lepra e ele passou a sua vida com o propósito de ajuda-lás. Ao longo dos anos foi percebendo o quanto aquela doença trazia males para os pacientes. Para os que não sabem , a lepra é uma doença que acomete o indivíduo provocando lesões de pele acometendo nervos da periferia, possuindo um efeito anestésico nestas lesões. Resumindo, o paciente não sente dor nestes locais. Num dos relatos de pacientes que o Doutor Paul acompanhava, ele comenta sobre um paciente que foi em sua casa a procura de atendimento em uma de suas mãos, mas ao examinar o jovem rapaz, Paul encontrou um prego enfiado no pé do garoto! O jovem estava caminhando e nem sequer percebeu a lesão infectante que acometia um de seus membros! Não havia dor, portanto, não havia nenhum sinal de alerta! Será que a dor não tem nenhum benefício?

Sem a dor, não receberíamos o sinal de parada, o alerta vermelho. A verdade é que a dor é nosso elemento de sobrevivência, mas poucos entendem isso. Não digo que se sentimos qualquer sensação dolorosa, deveriamos alimentá-la até o fim. Nunca! Mas o que pretendo provocar como reflexão é a retirada do conceito de que a dor é o seu maior rival ou inimigo nº 1.

Como estudante de medicina, a dor será aquilo com que irei me deparar e enfrentar no meu consultório o resto da vida. Meu dever será tirá-la a qualquer custo, e lutarei por isso claro. Mas sei, que em alguns momentos, ela se faz necessária. Fará parte do processo de cura.

Infelizmente, na agitação e superficialidade dos relacionamentos, ninguem quer sofrer. A angústia é a pior sensação e não deveriámos senti-la em nenhum momento. ERRADO! É a angústia de um relacionamento rompido, de uma amizade desfeita ou da repreensão que te tira da superficialidade sentimental. Do contrário, permanecerás infantil e não atingirás nenhum grau de maturidade. Você precisa sofrer, porque do contrário, nunca irá aprender o que é bom para você. Não insisto que corra em busca dos erros e da dor, mas quando ela vier, aprenda com ela, deguste o momento da solidão, e mesmo que ela desça de forma amarga, produzirá bons frutos se for bem absorvida.

Não me surpreende as altas rendas da indústria farmacológica com os antidepressivos e ansiolíticos. Sei que existe diferenças na depressão com um alto fator biológico, mas sei que existem pessoas que sofrem de depressão porque não aprenderam com sua dor. E de tanto não aprender e temer o sofrimento, a indústria lucra com seu sofrimento. Ela sabe que em alguns casos o perdão, a decisão de fazer diferente após refletir sobre o que tenha acontecido de pior em sua vida, você poderia ter entendido que os momentos de angústia, lágrimas e pesar estavam te enriquecendo como ser humano e moldando seu caráter, mas não. Você preferiu a superficialidade de um paliativo, e deixe-me ser sincero, não funcionará.
Poderá relaxar num sono artificial, na anestesia do sentimento, mas ele voltará e te assombrará se não for tratado na própria raiz. É preciso que seja extirpado o agente infeccioso, do contrário, você apenas o adormece e ele acorda.

A dor adverte sobre o mal.

O ser humano precisa de cura. Cura da sua prepotência, de seu egoísmo, de sua vil consciência. É necessário perdão, quando se há rancor. A angústia é apenas o recado de que você precisa rever seu caminho e tomar melhores decisões.
Quando um relacionamento está ruim e você sofre de maneira que abandona seu amor próprio, o meu desejo é que doa profundamente até que voce venha a reconhecer.

Acredite, a dor é um presente. Ela te informa que é necessário mudar a rota. Que você deve correr em  busca de algo melhor. Que voce está doente e necessita de tratamento.

Sou contra o slogan "PARE DE SOFRER". Mera ilusão contra os ignorantes que não entendem, que enquanto nestas terras pisarmos, haverá sempre a dor.

Não devemos viver sofrendo, mas precisamos reconhecer que enquanto vivermos haverá sofrimento.
E isto não é ruim, pois quando as coisas boas voltarem a acontecer, daremos o devido valor. Poderemos aconselhar aquele que padece de algo parecido com o que sentimos no passado.

Através da dor, poderemos aprender um pouco mais sobre compaixão.

Jesus Cristo suou gotas de sangue devido a tamanha aflição. Sacrificou-se num calvário e foi abandonado por todos seus amigos. Tamanha dor promoveu perfeita Salvação.

Não faço apologia da dor, mas ela já me livrou de muita coisa.


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário